quinta-feira, 8 de maio de 2014

Uma história sobre alguém que nem sei o nome

Enfim, tenho uma história para contar, uma história sobre alguém que nem sei o nome, que não sei nada. Só sei que, para quem não tem nada, ele me ofereceu tudo o que tinha. Deu-me sua atenção, ofereceu sua pinga, seus livros e sua companhia. Espero que gostem, que curtam, que possam opinar, sugerir outros textos e viver novas experiências através das minhas palavras. 

Antes de contar a história  que vivi, conto um pequeno episódio que li, vivenciado por dois monges e deixo que façam suas conexões entre elas.

Sobre a história lida:




Ela contava que alguns monges seguiam pela rua quando uma mulher pediu ajuda para atravessar. Então, prontamente o monge se ofereceu,  a pegou no colo levando-a para o lado oposto. Chegando no mosteiro um dos monges pergunta: "Senhor, porque você pegou naquela mulher, não deveríamos manter distância?" e, com espanto, ouviu a seguinte resposta: "eu a segurei e a deixe lá, mas você veio com ela na sua mente até aqui." (Philip Toshio Sudo)

Com essa breve introdução de vidas compartilhadas, sigo contando a história que vivi:


Na falta de um parque, encontrei uma grama verdinha onde eu posso me sentar embaixo de uma árvore. Achei esse lugar acolhedor onde posso passar uma ou mais horas sozinha. Assim, posso ler ou estudar aproveitando a brisa do mar e o barulho das ondas. Mas nesse dia, sem nem mesmo imaginar,  algo totalmente diferente iria acontecer...

      - Oi moça, posso descansar aqui - disse o mendigo (eu sei que é horrível pensar assim, quem me dá o  direito de intitular alguém com pré-conceitos? Mas foi essa a palavra que veio a cabeça ao passar meu olho nele), voltando, um senhor de vestes surradas e sujas.
      - Claro que pode, aqui é um bom lugar para descansar - respondi e voltei os olhos a leitura.

O senhor se aproxima, escolhe um bom lugar, estica seu cobertor, larga a sua mochila e acomoda-se. Respondo com um sorriso quando o vejo acomodado e volto a me concentrar na leitura, até que sinto um livro batendo na minha perna. Olho, abro, e é uma bíblia.

       - Você não vai ler para nós? disse o senhor com voz ligeiramente ríspida.
       - Eu adoraria ler a bíblia, é uma ótima leitura, mas agora eu tenho um capítulo para terminar - respondi com um sorriso e olhando em seus olhos. 

Olho no relógio e vejo que ainda tenho meia hora do programado para esta atividade. Mas antes de voltar a leitura lembro que na noite anterior, acordei de madrugada e sem sono peguei a Bíblia, o Evangelho Segundo o Espiritismo e a Lei do Sucesso de Paramahansa Yoganada. Li um pouco de cada, buscava a relação de amor que sempre encontro entre eles, pois a fé só pode levar o amor, sem essa relação a fé não faz sentido. Mas dei um puxão na minha atenção, tinha que voltar a leitura. Só que lá no fundo tinha ficado um espanto pela coincidência, pois fazia muito tempo que não fazia leituras focadas em religião.

        - Ei, você tem um papel? - interrompendo-me novamente e vendo que tenho um caderno na mão - eu queria enrolar um fumo. 
        - Já lhe dou - respondo novamente com um sorriso. 

Entrego o papel em sua mão. Nessa hora a Kisha fica incomodada e começa a latir, eu passei a mão na cabeça dela acalmando-a. Ela deitou do meu lado baixou a cabeça, mas não tirou os olhos daquela pessoa estranha. Volto a ler e continuo as anotações. 

Não sossegando ele chama a minha atenção novamente:

        - O que você bebe? - peguntou-me, enquanto via eu olhar para a minha garrafa de água ao lado - não deve gostar de uma cachaça - afirmou com a garrafa apontada na minha direção -, e já viu o preço que está, custa R$ 4,00 essa garrafa, não é um absurdo?

Eu realmente nem fazia ideia e acho que o custo é muito maior que o valor financeiro, custa sua lucidez e o leva para um mundo não real e só está destruindo a sua saúde, mas não iria discutir isso naquele momento. Então respondi afirmando positivamente com a cabeça e voltei a leitura. Mas nesse momento já estava difícil manter o foco, sentia o quanto ele queria atenção ou alguém para conversar. E, o martelinho batia na cabeça. Será? Devo interromper minha leitura? Já fiz isso tantas vezes... Contudo, resolvi continuar a leitura. Vou terminar, isso é importante para hoje.

           - Se quer ler, então leia. - falou o senhor jogando dois livros na minha frente.

Acho que realmente ele queria chamar a minha atenção, olhei os livros, eram de uma coleção da revista Veja. O primeiro com capa azul era 'Titanic', logo já reconheci a história que tinha visto umas quatro vezes e ainda havia  passado na TV no dia anterior; e o outro com capa rosa 'A cor púrpura' que ainda não conheço a história. Mas vendo que depois de tantas tentativas eu não respondi, ele se acomodou como se fosse dormir e fechou os olhos. Acompanhei-o com o olhar por alguns minutos e vi que ele espiava sorrateiramente. Sua respiração foi ficando mais profunda e mais lenta,  até que finalmente dormiu.

Nosso 'encontro' deve ter durando de 30 a 40 minutos, mas não ficou por ali. Terminei o capítulo, fechei o livro e o caderno, guardei tudo que levava e fiz uma imagem do que eu vivia, pois não é uma coisa que acontece todos os dias. Levantei, coloquei seus livros sobre o cobertor e segui para casa. 

Enquanto eu caminhava, por muitas vezes eu lembrava dele e fiquei imaginando como teria chegado ali, da onde era e o por quê de não ter conversado com ele. Logo eu que gosto tanto de ouvir as pessoas e saber de suas histórias... Poderia ser algo incrível e que talvez jamais terei outra chance de o ouvir. Só que eu precisava continuar na minha decisão e entender que naquele momento foi a coisa certa a fazer. Eu queria ler, eu queria terminar o que havia começado e ele dormiu antes de eu terminar a tarefa. Então, só me restou ir embora. Ainda pensava na relação dele com a Bíblia e as condições que ele se encontrava e algumas questões ficaram até eu escrever esse texto e compartilho para que possamos estar sempre nos vigiando e refletindo:


Por que com tantas informações: livros, músicas, filmes, arte, tudo que fala das das relações e dos sentimentos, ainda tememos tudo que vem da mente, do espírito, do emocional? 

Nós modificamos as cidades, construímos e seguimos delimitando o espaço, e assim com prédios, ruas e calçadas criamos relações sociais e comerciais. Mas se as cidades não são feitas para todas as pessoas e suas relações, são para quê? É justo alguém 'ficar de fora'?

De quem é a iniciativa de mudar como as relações políticas-sociais estão acontecendo? Quem é que vai cobrar dos que levaram os nossos votos? Até onde somos passivos ou ativos no agora?

A partir de que momento começamos a construir uma relação e somos responsáveis pelos nossos atos ou não atos do que temos consciência?





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